1 de março de 2018

Por que seu dinheiro deve render ao menos o CDI?

Tempo de leitura: 8 minutos

 

Por diversas vezes vemos no mercado financeiro discussões que parecem partir do pressuposto de que certas intuições são compreendidas por todos os investidores. Uma das principais instâncias em que isso ocorre de maneira mais ampla e clara diz respeito à taxa DI, comumente denominada apenas por CDI, e sua relação com os retornos obtidos no mercado.

É comum vermos o CDI empregado como um grande denominador comum para retornos dos mais variados tipos de produtos financeiros, com discussões em torno da rentabilidade relativa de aplicações e fundos (o ubíquo ‘tal produto rende X% do CDI’, por exemplo). No entanto, percebe-se que a muitos investidores, os interlocutores a quem são oferecidos produtos e serviços financeiros, faltam-lhes a noção de porque tal comparação é adequada em primeiro lugar.

Para entender o uso do CDI como referencial de desempenho no mercado financeiro, basta que olhemos para sua origem e função. A taxa DI pode ser vista simplesmente como um reflexo da taxa SELIC. Sempre ouvimos falar da taxa SELIC e de como ela representa a ‘taxa básica’ de juros da nossa economia[1]. Ela se origina da interação entre Banco Central e os bancos privados, necessária para execução de medidas de política monetária – em suma, controle da quantidade de moeda em circulação na economia como um todo:

 

 

A taxa SELIC configura-se na taxa básica de juros da economia por uma questão simples, aparentemente de resposta trivial, mas cujas implicações impactam toda a dinâmica do mercado monetário: por que um banco emprestaria para qualquer contraparte cobrando menos do que SELIC, se ele pode deixar seus recursos seguros no Banco Central e ser remunerado a essa taxa? Temos, então, que qualquer operação de crédito ou investimento visará receber uma taxa básica, mínima, acrescida de um prêmio, em função da percepção do risco associado a tal operação.

Enquanto a SELIC refere-se às operações conduzidas junto ao ente público, Banco Central, a taxa DI reflete a interação dos bancos privados entre si, no ambiente denominado de mercado interbancário e que origina o próprio nome da taxa (CDI = Certificado de Depósito Interbancário). A partir da dinâmica que ocorre todos os dias entre os bancos podemos entender um conceitofundamental para qualquer investidor:

A taxa DI ou ‘o CDI ‘ pode ser visto como o retorno exigido por um banco para correr o risco de não receber seus recursos emprestados a outro banco, pelo prazo de 1 dia útil. Ele representa o custo mínimo do dinheiro para os bancos

Outra forma de entender o CDI é enxergá-lo como a remuneração mínima exigida para uma operação de baixíssimo risco (afinal, estamos falando de apenas 1 dia útil) e de liquidez quase imediata, isto é, já no dia seguinte. Tal visão facilita o entendimento de outro princípio que deveria estar claro para todo investidor:

Não existe justificativa econômica, tampouco financeira, para um investidor informado receber menos do que 100% do CDI em suas aplicações de médio e longo prazos[2]

A assimilação da ideia do CDI como reflexo da taxa básica de juros certamente provocará conflitos na cabeça de qualquer pessoa que já tenha se deparado com a oferta de produtos financeiros no Brasil. Não raro, é possível encontrar exemplos em aplicações tradicionais, tal como um CDB do banco XYZ que oferece a taxa de 85% do CDI pelo prazo de 2 anos, sem liquidez.Seria o banco XYZ mais seguro do que o próprio sistema financeiro? Por mera construção, isso não é possível.

 

 

Na figura acima está ilustrado um fenômeno infelizmente recorrente e comum no mercado brasileiro. O banco B, que paga 100% do CDI ao banco A por recursos que toma emprestado por um dia, oferece CDBs com taxas um tanto inferiores a esta marca quando toma recursos de investidores. No entanto, a principal fonte de risco em ambas as operações é rigorosamente a mesma – a possibilidade de que o banco B não possa cumprir com suas obrigações.

A inexistência de justificativas econômicas para explicar a ocorrência dessa distorção nos força a procurar por hipóteses em outros domínios para tentarmos entendê-la[3]. Enquanto que aprofundar a discussãoescaparia do escopo desta breve peça, podemos apontar algumas direções nas quais os mais curiosos poderão seguir a fim de complementar seu entendimento acerca das características do nosso mercado financeiro:

  1.  Implicações do legado de instabilidade econômica: não precisamos de muito esforço para recordar das sucessivas trocas de moeda, da inflação galopante, da ‘nova matriz econômica’ ou do descontrole na condução das contas públicas. Nosso histórico de altas taxas de juros e excesso de preocupação com a inflação são fatores que prejudicam o desenvolvimento de educação financeira no país, e de forma indireta ajudam a perpetuar a desinformação e falta de interesse do cidadão
  2.  Estrutura do mercado bancário brasileiro: a concentração do mercado em poucas instituições é expressiva, e temos gigantescos conglomerados financeiros que atuam em diversas atividades. Essa realidade dificulta o surgimento de alternativas aos serviços dessas instituições, e prejudica a competição saudável de mercado, ao mesmo tempo em que limita o leque de possibilidades disponíveis ao investidor.

A difusão de certas noções de mercado vem beneficiar a todos que nele participam. Talvez a principal delas que gostaríamos de ver compartilhada por via deste sucinto artigo é a de que o investidor deve sempre buscar a remuneração que reflita da melhor maneira possível o nível de risco ao que se expõe. Neste sentido, a capacidade de identificar situações em que o investidor será prejudicado, causadas seja por falta de informação ou idiossincrasias do nosso mercado, é de extrema importância se vislumbramos um futuro no qual o brasileiro investirá melhor.

 

[1] SELIC é apenas a sigla para o Sistema Especial de Liquidação e Custódia, o programa de computador usado pelo Tesouro Nacional para a liquidação de títulos públicos

[2]Aplicações de prazos muito curtos podem escapar deste princípio por conta de alguns fatores, entre os mais relevantes destacam-se tributação e os custos operacionais incorridos pelas instituições que oferecem os produtos/serviços.

[3]Usa-se aqui o termo distorção para descrever qualquer situação que não decorra das características fundamentais de um sistema. Se o fenômeno descrito na figura fosse consequência natural do funcionamento do mercado, o mesmo tenderia a um estado insustentável: bancos buscariam maximizar o volume de recursos captados via CDBs abaixo de 100% do CDI, para então emprestá-los a uma taxa maior e simplesmente lucrar pela diferença.